Por Beatriz Saturnino – Imprensa INCA
O projeto “Quintais da Cultura Popular Cuiabana”, realizado pelo Instituto INCA - Inclusão, Cidadania e Ação, encerrou, no último sábado (03.07), a primeira etapa do trabalho, de visita, inventário e diagnóstico, na tradicional e festiva casa de “Bem Bem”. Agora parte para as lives com as comunidades e lideranças comunitárias, em parceria com a Secretaria Adjunta de Relações Comunitárias (Sarc) da prefeitura Municipal de Cuiabá, até o mês de outubro, quando deve acontecer o Fórum de Políticas Públicas com as entidades governamentais e organizações sociais.
Você conhece algum quintal da cultura popular cuiabana? O Instituto está fazendo uma imersão no mundo mágico dos quintais de Cuiabá, com a prática de saberes, ofícios e celebrações da cultura popular de “tchapa e cruz”, seja com a religiosidade, atividade recreativa ou socioeconômica.
O projeto “Quintais da Cultura Popular Cuiabana” tem como objetivo realizar um mapeamento diagnóstico e inventário de 10 quintais que preservam a cultura popular da cidade de Cuiabá, incluindo as regiões urbana e rural.
“Nós estamos sinalizando e demonstrando a necessidade da criação de políticas públicas, para preservar e fortalecer a rede dos quintais, para que eles tenham ações que promovam a manutenção e auto sustentabilidade. A proposta também é de divulgar e reconhece-los como território criativo, além de reativar quintais sem atividade e estimular a participação da comunidade, sobretudo os mais jovens, realizando ações de formação e engajamento”, diz a presidente do Instituto INCA, Cybele Bussiki.
A definição do projeto para o quintal da cultura popular está pautada em um “ambiente de sociabilidade festiva que guarda a memória de manifestações culturais tradicionais e práticas religiosas que são transmitidas de geração para geração, agindo também como um espaço de renovação espiritual e afetiva e trocas de saberes".
O projeto começou pelo quintal da ceramista dona Julia Rodrigues, no dia 24 de abril, em São Gonçalo Beira Rio.
E porque iniciar a pesquisa em um quintal de cerâmica? O objetivo é registrar a ampla variedade de saberes, ofícios e celebrações que existem nos quintais cuiabanos, não apenas centradas nas práticas e saberes do Cururu e Siriri, muito embora guardem uma estreita relação.
O projeto está utilizando como base o conceito de lugar, definido pelo Manual do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) e elaborado pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Segundo esse documento, a definição de lugar se refere a: espaços apropriados por práticas e atividades de naturezas variadas (exemplo: trabalho, comércio, lazer, religião, política, etc.), tanto cotidianas quanto excepcionais, tanto vernáculas quanto oficiais.
As visitas foram realizadas aos sábados, por uma equipe de professores, pesquisadores, com o auxílio de estagiários contratados apenas para este projeto.
AS VISITAS
São sete meses de trabalho para a manutenção e resgate das raízes e tradições dos quintais cuiabanos, e das pessoas que os tornam vivos e deve encerrar no dia 16 de outubro, com um Fórum.
Deste processo já foram quatro meses e as visitas começaram por São Gonçalo Beira Rio, em dois quintais vizinhos: das ceramistas dona Julia Rodrigues e de sua irmã Cleide Rodrigues.
O segundo foi o espaço que desenvolve o Siriri, pelo grupo “Voa Tuiuiú”, no bairro Itapajé. Os valores transmitidos às crianças é o maior incentivo para manter o grupo vivo, que já tem 13 anos de tradição em devoção ao Santo Expedito, com o levantamento do mastro, Reza Cantada, jantar, bailão, com muito lambadão e rasqueado. Além do café da manhã, tudo com fartura em três dias de festejo, com a comida sempre de graça, seguindo a tradição de humildade, solidariedade e amor. Por lá o sistema é de coletividade e voluntariado.
O terceiro quintal foi do grupo Flor Serrana, de Siriri, Cururu e Reza Cantada, localizado em Aricazinho, na Zona Rural de Cuiabá. Moradia da Dona Helena Maria de Oliveira Nascimento, com a presença de Armindo Reis, ou seo Nezinho, presidente do Grupo Flor Serrana, com 45 anos de idade é dançarino do Siriri desde os 10 anos. Além de Alexandre Oliveira, cururueiro, mestre artesão da viola de cocho, ganzá e mocho, e capelão que tira Reza Cantada, junto com dona Fia, Luibertina Oliveira, vocalista do Flor Serrana, capeloa e dançarina de Siriri.
Uma tarde única, com um estudo profundo das raízes daquele grupo organizado e apaixonado, que reserva a cultura popular cuiabana há mais de 50 anos, na chácara Antônio Maria, próximo ao Pedra 90.
O quarto quintal, do Grupo de Siriri Flor do Atalaia, contou com a presença do secretário de Estado de Cultura, Beto Machado, e do adjunto Jan Moura, no bairro Parque Atalaia. Grupo predominantemente de mulheres, onde uma delas toca a viola de cocho.
A jornada do quinto quintal foi na famosa dona Domingas, onde funciona um Ponto de Cultura e o Grupo Flor Ribeirinha. Lá percebeu-se que a tradição é muito forte e repassada aos jovens e às crianças, que são fascinadas e amam dançar o Siriri.
O quintal de Tradição Coração Franciscano foi o sexto visitado. Ele apresenta uma série de saberes e fazeres, dedicados às práticas devocionais, às festas, danças, músicas, artes plásticas, de uma Cuiabá da região do Coxipó, gerador de sociabilidade, no bairro São Francisco, o mais antigo da região, com uma história de 83 anos.
Também teve quintal que preserva a cultura das matrizes africanas, sendo o sétimo visitado, na Associação Religiosa e Cultural Afro Brasileira, espaço ILÉ ÀṢẸ EGBE KÉTU ỌMỌ ÒRÌSÀ ODẸ, do babalawô ifálanã George Barajak, no bairro CPA 3, região Norte da cidade.
VONTADE, FORÇA, TALENTO E AMOR
A oitava visita aconteceu no “Quintal Flor do Campo” que é rico em potencial artístico! Localizado no bairro Parque Ohara, atualmente ele é a estrela do “novo” Beco do Candeeiro, nos encontros culturais que acontecem toda quinta e sexta-feira.
Por lá, a anfitriã é a Matilde da Silva, que comanda com maestria a Associação Flor do Campo, um grupo familiar, composto por 12 pares para o Siriri, cinco tocadores homens e cinco backing vocal, todas mulheres, que aproximadamente 40 anos dançam, cantam e tocam, com a batida da saia, o gingado do corpo e o pisado tradicional apoteótico! A identidade do Flor do Campo está pautada na dança, com fé e devoção a São Sebastião.
Vontade, força, talento e amor é o que os cururueiros da Associação do Grupo Cururu Tradição Cuiabana do Coxipó tem de sobra! Ele foi o nono quintal visitado e por lá é perceptível a grande saudade de cantar e aquecer a garganta com o amargo (bebida destilada com raízes), de tocar e se jogar em uma função (roda em que os curureiros se desafiam em coreografia em frente ao altar do santo). Exala nas batidas dos sapatos lustrados, na alegria e força do gingado, no canto afinado e na beleza do tocado da viola de cocho e do ganzá!
O grupo congrega uma média de 40 curureiros no quintal do senhor Marcelino de Jesus, presidente da Associação que atende mestres da região do Coxipó e alguns de Várzea Grande.
Neste quintal, localizado no bairro São Francisco, aconteciam as festas de São Gonçalo, São Benedito e São Sebastião, tradicionais no mês de agosto. E nele vivem 11 famílias, entre filhos, sobrinhos e demais familiares de seo Marcelino, que carrega na alma o Cururu.
As visitas do projeto “Quintais da Cultura Popular Cuiabana” encerraram com a histórica casa de Bem Bem, que está passando por restauração, com um processo peculiar, do adobe e material da época. Nela foi feita uma visita guiada pelo restaurador Adão Rodrigues, e contou com a presença da secretária Carlina Rabello e do adjunto Lioniê Astrevo.
O RESULTADO
Além do levantamento de dados, catalogação, inventário patrimonial e diagnóstico de cultura nesses lugares, por meio de questionário e registro de foto e vídeo, o projeto “Quintais da Cultura Popular Cuiabana”, visa produzir um e-book e realizar um Fórum com líderes desses espaços, com palestras sobre Patrimônio Cultural e Economia Criativa e propor políticas públicas para o setor aos governos Municipal e Estadual.
“Esses dados estão demonstrando a extrema vulnerabilidade que as pessoas vivem, em que os jovens se encontram, e o quanto esse espaço, que é o quintal, concentra diversas frentes de trabalho que a sociedade necessita. O quintal em si é um espaço de promoção de igualdade, de mediação de conflitos, de cuidados, de trabalho mútuo”, define a antropóloga e produtora executiva do projeto, Poliana Queiroz.
O projeto é uma realização do Instituto INCA, patrocinado pelo Governo do Estado de Mato Grosso, por meio da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT), via emenda parlamentar do deputado estadual Dilmar Dal Bosco, no valor de R$ 400 mil, com o apoio da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) e Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e parceria do grupo Caleidoscópio da UFMT.